Frederica Cerqueira
Na vida desta cientista social, há um AM e um DM - antes de Myanmar e depois de Myanmar. Foi uma viagem ao outro lado do mundo que a fez passar do lado corporate para o lado social do micro empreendorismo.
Faz parte da equipa Menos Hub, uma plataforma de apoio a pequenas empresas que durante a quarentena criou o #CompraAosPequenos. É *A* pessoa a quem ligar se tiverem uma ideia de negócio e muitas dúvidas sobre o percurso. É a voz de GPS, uma coach, uma terapeuta que guia, motiva e acalma as (muitas) ânsias dos pequenos (grandes!) empreendedores.
Quando o assunto é negócio, empreendorismo, tendências de consumo e resiliência, a Frederica fala e fala bem! Tem na voz a brisa da empatia, o vendaval de paixão e aguaceiros de bons conselhos.
A Frederica VEIO à Marcenaria e trouxe consigo toda a comunidade de empreendores que fazem parte do Menos e deste diretório tão útil que é o Compra aos Pequenos.
Olá Frederica, conte-nos um pouco o seu percurso profissional!
Como começou esta paixão pelos pequenos negócios e pelo empreendedorismo social?
Sempre (se calhar não sempre, mas desde que comecei a trabalhar, já lá vão uns anos) me motivou trabalhar com pessoas – vê-las crescer e evoluir. Perceber o que as faz mexer e puxar por isso, para que tenham orgulho de quem são e do que fazem.
Fazia uma carreira simpática e expectável numa grande empresa quando senti vontade de experimentar diferentes realidades, diferentes trabalhos, aprender coisas novas. Daí a me encontrar no Myanmar a dar aulas de Cidadania a adultos futuros trabalhadores comunitários foi um “pulinho”. Foi uma experiência que completou o círculo e me fez perceber que o meu propósito era aquele: fazer parte de processos de transformação individuais, pessoas que se sentem mais realizadas pessoalmente, através da sua actividade profissional. Daí ao regresso a Portugal e este caminho do empreendedorismo social com pequenos (grandes! Muito grandes!) empreendedores, foi outro “pulinho”, construído com trabalho consistente.
E a iniciativa Menos Hub? Como o descreve? Qual é o seu propósito?
O menos é uma organização que surge com o propósito de simplificar a criação de micro-negócios e, desde o seu início em 2014, cada vez mais percebemos a importância de apoiar os empreendedores que criam micro e pequenos negócios.
Através das diferentes componentes do nosso Programa de Ignição e da comunidade que vamos fazendo crescer, sentimos que temos a possibilidade de dar um apoio mais continuado a estes empreendedores que, estando muito pouco na ribalta, acreditamos serem a força motora do nosso país.
Acreditamos que o empreendedorismo pode ser um caminho para a criação do próprio emprego e para uma maior realização pessoal e profissional. Por isso, mesmo focando o nosso trabalho nas pessoas que estão em situação de desemprego ou sub-emprego, trabalhamos com todos os que procuram o caminho do empreendedorismo.
Capacitamos pessoas, levamos ideias de negócio do abstrato ao teste no mercado, ajudamos a estruturar negócios, acompanhamos os principais passos dos negócios e estamos sempre atentos às principais necessidades dos pequenos (grandes) empreendedores para tentar dar uma resposta.
Foi assim que o Programa de Ignição se desenvolveu, foi assim que o Compra aos Pequenos cresceu e é assim que novas iniciativas certamente surgirão!
Temos em comum uma causa. Nós usamos o #slowfurniture e a Frederica fala de #slowbuying. Quer explicar o que é esta filosofia de "comprar devagar"?
Se analisarmos a evolução histórica percebemos que, mesmo parecendo que os dias nunca dão para nada, na verdade trabalhamos menos, em melhores condições e com mais dinheiro disponível do que há 100 anos. E isso é bom. No entanto, também foi neste período em que passamos a ocupar um papel maioritariamente de consumidores.
“Precisamos” de mais para nos sentirmos satisfeitos, agregamos mais actividades à nossa vida para nos sentirmos preenchidos, deixamos de ter a “aldeia” com quem dividir os encargos. E, de repente, podemos ter mais mas temos menos tempo disponível para usufruir. Assim, com os centros comerciais, os hipermercados, as mega lojas, as cadeias de marcas, os horários de abertura alargados, os preços altamente atrativos, as campanhas de publicidade, os exemplos de casas e vidas cheias – passámos a querer muito, agora, fácil e barato.
À medida que fomos fazendo este caminho, deixámos para trás o conceito de comprar de forma consciente e esquecemos o pequeno negócio, esquecemos o produtor, o artesão, o comerciante. E, quando nos voltámos a lembrar, dissemos que era demasiado caro, porque “precisamos” de tantas coisas que não podemos pagar o valor justo por todas.
Comprar devagar é comprar consciente?
Sim, comprar devagar é comprar consciente. Pesar necessidades, definir prioridades, perceber o impacto que a nossa compra tem na vida de outros, procurar, de forma consciente, a melhor opção para cada item.
E isto pode traduzir-se em ir ao mercado de produtores ao fim-de-semana em vez de o hipermercado, procurar as melhores opções para aquele item que realmente queremos, decorar a casa com trabalho de ilustradores em vez de serigrafias conhecidas, passar uma agradável tarde numa cofee shop indie em vez de ir às cadeias que tão bem conhecemos, mandar fazer algo à nossa medida que vai durar uma vida em vez de comprar algo de baixa qualidade que dura alguns (poucos) anos.
E isto é difícil, e nem sempre temos a disponibilidade (financeira, psicológica, emocional, de tempo) para fazer estas escolhas conscientes. O que temos que pensar é que, por cada destas escolhas conscientes que fazemos, é um empreendedor ou um produtor que estamos a ajudar. Por vezes elas implicam investimento, então vamos escolher aquela peça, aquele momento que são especiais e importantes para fazermos estas escolhas conscientes.
Como vê o momento actual da relação entre empreendedores/pequenos negócios e os consumidores?
Como já falei um pouco, acredito que o consumidor se tenha afastado um pouco do pequeno negócio ao longo dos anos. É verdade, mas eu sou uma optimista e prefiro olhar para o bonito momento que vivemos.
Pequenos negócios que criaram verdadeiras tribos de apaixonados por aquela marca. Indivíduos que querem ser mais do que consumidores em massa e (re)pensam as suas escolhas, para bem do ambiente e da sua comunidade. Ondas de apoio aos pequenos negócios durante os momentos difíceis. Empreendedores de todas as idades e sectores que perceberam que não chega ter a porta aberta, é preciso ir de encontro aos clientes, é preciso dar-lhes mais do que o que vendem – é preciso dar experiências, criar relações.
Durante a quarentena o Menos lançou a plataforma Compra aos Pequenos. Como tem corrido essa experiência?
Simplesmente maravilhosa. O Compra aos Pequenos surgiu como um movimento de apoio aos pequenos negócios que estavam a reagir, de alguma forma, às restrições da quarentena.
Quisemos, por um lado, valorizar estes lutadores e, por outro, dar ao consumidor um diretório onde pudesse conhecer os negócios que estavam a funcionar e como. Nunca esquecendo a missão inicial, fomos alargando a acção.
Quisemos dar informação útil que permitisse aos empreendedores lidar melhor com a crise, fizemo-lo com o Kit de Sobrevivência, com artigos sobre medidas de apoio, com parcerias com outras iniciativas de apoio aos pequenos negócios.
Quisemos dar aos cidadãos a hipótese de conhecerem e apoiarem pequenos negócios, através da plataforma online mais intuitiva, dos cabazes de produtos de dicas de como apoiar pequenos negócios.
E tudo isto tem corrido muito bem. São já 500 negócios na plataforma e, mais importante, uma bonita comunidade de pequenos negócios que estamos a conseguir apoiar, partilhar e valorizar.
Que tipo de empresas se juntaram ao movimento?
O nosso foco são os micro e pequenos negócios, a partir daí, é um movimento aberto a todos: lojas de comércio tradicional, serviços digitais, artesãos, consultores, artistas, terapeutas, operadores de turismo ou educadores, produtores alimentares, locais ou remotos. De negócios de família que têm passado de geração em geração a negócios a dar os primeiros passos, e todos pelo meio. As nossas portas estão abertas e os negócios têm aderido.
Têm sentido uma boa resposta dos consumidores?
Temos! Têm sido muitas as pessoas que partilham a iniciativa e incentivam os que as rodeiam a comprarem aos pequenos negócios.
Também nos têm chegado relatos de pessoas que utilizam a lista de negócios para fazer algumas das suas próximas compras ou decidirem os espaços que vão visitar (e isso é comprovado pelas dezenas de visitas diárias que o site recebe) – para conhecerem novos negócios e soluções. E com os cabazes, que são de venda directa ao público, tivemos várias pessoas a comprar e a partilhar a sua (boa) experiência.
Com esta crise que vivemos, muitas pessoas ficaram mais sensibilizadas para a necessidade de apoiarem os pequenos negócios de forma consciente, e vemos que estão a fazê-lo.
Na sua opinião, portugueses gostam de comprar português ou ainda há o estigma de valorizar mais o produto estrangeiro.
Noto que as pessoas estão cada vez mais sensibilizadas para consumir cá, o que é feito aqui. A maravilha é que cada vez mais podemos consumir português e estrangeiro em simultâneo pois as tendências e a multiculturalidade também fazem parte da evolução dos pequenos negócios.
Portugal é solo fértil para empreender?
Portugal é um país de pequenos empreendedores – 96% do nosso tecido empresarial. Portanto, diria que está no ADN de quem aqui sempre viveu e também de quem chegou há não muito tempo. Há uma tendência para a valorização do empreendedorismo como forma de independência financeira e realização profissional. Diria que Portugal é solo fértil para empreender, embora um solo com muitas pedras e detritos que é preciso contornar e destruir para se poder crescer e florescer.
Generalizando, em que é que os portugueses são absolutamente geniais e imbatíveis?
Há uma resiliência e engenho em Portugal que não sei se são facilmente reproduzíveis em outros contextos. E isso faz com que se encontre formas de crescer onde não se pensaria possível.
Consegue enumerar 3 características fundamentais no ADN de um empreendedor?
Correndo o risco de me repetir, o empreendedor tem que ser, acima de tudo, altamente resiliente. Para auxiliar esta resiliência, o empreendedor também é altamente motivado e apaixonado pelo seu negócio – só assim consegue ter as forças para ultrapassar os obstáculos que aparecem. Já agora, deixo esta referência - https://menoshub.com/noticias/as-7-principais-qualidades-de-um-empreendedor-de-sucesso/
Para bom empreendedor, que conselho basta?
Falhe, falhe muito. Aprenda com os erros e continue o caminho.
Que imagens e sensações lhe traz a palavra marcenaria? Quando pensa em marcenaria pensa em…?
Quando penso em marcenaria penso, inevitavelmente, em madeira. Parece-me que consigo sentir o cheiro da madeira, de resina, vejo pequenos rolinhos de madeira que se soltam quando se trabalha as formas.
Qual é a sua peça de mobiliário preferida?
Vivo com muito pouco mas...não vivo sem estantes. Para os livros que acompanham a vida, para os objectos que faz sentido expor. Isso ou uma mesa. Daquelas bem grandes e acolhedoras, que sentam várias pessoas em seu redor confortavelmente, que são escritório, espaço de criatividade, de jogos, de brincadeiras e, mais importante de tudo, de refeições partilhadas.
Qual é a sua peça de sonho? Se ganhasse a lotaria, que peça encomendaria à Marcenaria já hoje?
É provável que seja algo muito simples mas...os meus avós têm um móvel para livros antigo. Coisa pequena, rectangular com 4 faces onde se coloca livros, e roda. Acho que encomendaria algo assim, mas à minha medida.
5 contas de Instagram que adora?
@canelacheia – uma artesã que coloca o coração em tudo o que faz, e isso nota-se
@oupasdesign – instalações e publicidade que me deixam sempre maravilhada
@anaoliveira_ilustracao – ilustrações lindas
@sardinhaforadalatablog – comer com os olhos é preciso
@kitchendates – pequenos negócios com impacto gigante
5 contas de Instagram que vão gostar de conhecer a Marcenaria Artística Pereira?
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VEIO n.m.
Designação de uma faixa alongada e relativamente estreita que, na terra, nas rochas ou na madeira, se diferencia pela tonalidade distinta ou pela essência da respetiva substância;
Verbo VIR - Conjugar
(latim venio, -ire, vir, chegar, cair sobre, avançar, atacar, aparecer, nascer, mostrar-se)
verbo transitivo, intransitivo e pronominal
Transportar-se de um lugar para aquele onde estamos ou para aquele onde está a p pessoa a quem falamos; deslocar-se de lá para cá.
Chegar e permanecer num lugar.
As entrevistas VEIO são mais uma forma de fazer prosperar a arte da Marcenaria Portuguesa. Por aqui vão chegar e permanecer os amantes da madeira, da decoração e das artes decorativas, os artesãos e artistas portugueses cujas áreas de actuação são um complemento à Marcenaria e que, de alguma forma, casam bem com as nossas madeiras.
Acompanhem as próximas. Sugiram entrevistados.Também podem vir e ficar.
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